1 de maio de 2023

Renata e eu decidimos ver Agnes Varda inteira. Quer dizer, todos os filmes, começando pelo começo. Mas não começamos pelo começo, começamos por aquilo que talvez seja seu terceiro filme, de 1958, L’Opera Mouffe. Gravado na rua Mouffetard, que dá nome ao bairro em que está e ao filme.
Começa com a imagem de um corpo grávido. Só o tronco. Depois corta pra uma abóbora gigante na feira sendo cortada. Close nas sementes. Depois, muita gente passando na rua e cenas entrecortadas de um casal.
Filme meio documentário da rua, meio notas “filmadas” de mulher grávida. Varda teve sua filha, Rosalie, em 1958. Talvez o filme tenha algo a ver com isso. E muita morte. Foi Jeanne Marie Gagnebin quem disse certa vez que um filho vem ao mundo para lembrar ao pais que eles envelhecem e morrem. Deixar uma coisa a mais no mundo não é uma luta pela imortalidade, mas um sinal de mortalidade. Um túmulo.

Ter um filho, ter um túmulo. Mas o filme da Varda é muita vida também. Vida perigosa, por isso vida.
Tem umas imagens curiosas: um pintinho rompendo a casca do ovo; outro dentro de um copo de vidro, corpinho frágil; umas crianças usando máscaras de raposa e outros bichos, andando de bicicleta, correndo pra lá e pra cá; espelhos; velhos na rua, nos bares, nos cafés, muitos velhos. Velhos e crianças. Início e fim. Já estou falando de morte de novo. O filme cheio de opostos. A Varda cheia de cemitérios e imagens da morte em outros filmes também.
Tem uma cena bem bonita. Uma paisagem absolutamente estática. E uma mulher que corre nela. A mulher é puro movimento em câmera lenta (seu vestido, seus cabelos, ela inteira é ondulante). A paisagem não, a paisagem é rígida, estática. Uma rajada de desejo num mar duro.
Preciso voltar às cenas dos bêbados.